"Aqui estás tu, a tocar-lhe no rosto com as duas mãos e a dizer-lhe que “vai correr tudo bem”. Percebes o desconforto no olhar e acrescentas “se quisermos, é possível”. Daqui a pouco dirás, como derradeiros argumentos, dois ou três lugares comuns sobre o amor verdadeiro, “o nosso é tão especial”. Não te esqueças de lhe dizer que podem falar a qualquer hora, e que vais estar sempre online (promete telefonar pelo menos duas vezes por dia!).
Vais acreditar em tudo, e a dada altura, quem te ouve, também. E então vão fazer planos para o reencontro. Nas férias, quando voltares, farão uma viagem, dedicarão dias seguidos a fazer amor. “E se fosses ter comigo?”, “não dá, com o meu trabalho”, “claro que dá, só precisamos de organizar as coisas com calma, planear tudo”.
Até que chega o dia. Estão no aeroporto, a bagagem despachada com excesso de peso. Daqui para a frente, só passageiros com cartão de embarque. Estiveram bem dispostos até aí, os últimos dias foram cansativos. É agora. Tens a sua mão na tua. Silêncio. Abraçam-se, e choram, os dois (tu talvez menos, porque tens a cabeça dividida entre coordenadas). Dás-lhe um beijo, secas-lhe as lágrimas e repetes as promessas com que começaste o texto.
Mostras agora os documentos ao segurança, que te deixa passar. Antes de fazeres a curva, aí mesmo, viras-te para trás e consoante o nível de pirosice do vosso amor, acenas, ou gritas uma lamechice qualquer. "Who cares?" Amo-te, amo-te, amo-te, daqui até à lua, ir e voltar, para sempre, até ao fim do mundo.
Quando vivi em Luanda, morei num bairro que se chamava Nova Vida. Achei a associação carregada de sentido. Em nós, há tanta coisa a acontecer, tanto mundo novo a entranhar-se, que nova é mesmo a melhor palavra que se pode juntar à vida.
Manter uma relação à distancia não é fácil. O amor é uma força poderosa, mas não vence tudo. Não vence um olhar renovado, uma percepção diferente. Pode mover montanhas, sem que contudo nada possa perante o desconforto que se vai instalando. De repente, há tanto de ti que já não é quem era. És tantos.
Se te deixares levar pela vontade, vais demorar mais a responder aos e-mails, as conversas no "chat" serão cada vez mais curtas e com respostas breves, nem sempre vais ligar o Skype. Até queres partilhar, mas não sabes como, porque, lembras-te, o essencial não cabe em palavras. “Tens a certeza que está tudo bem?”, “claro que está”, “estás diferente”, “não, é impressão tua”.
Poderia falar de mim, mas seria recalcamento (que também os tenho). Falo-vos por isso de todos aqueles a quem vi um amor acabar (e daqueles que, por isso, respiraram de alívio). E falo-vos também, e principalmente, dos outros, que valem por todos, que se superaram, que não desistiram, que se esforçaram todos os dias, obrigando-se, às vezes contrariados, a pensar no regresso (ou no reencontro), muito mais do que na partida (ou na despedida). Falo-vos, finalmente, daqueles que perceberam que, se amar é difícil, faze-lo por "megabyte" é ainda mais complicado."
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