quando nos olhamos ao espelho e não nos deparamos com uma pessoa a quem falta uma perna também somos incapazes de interiorizar que o reflexo nos mostra uma pessoa com duas pernas. vemos apenas uma pessoa normal. se o espelho não reflecte pele enrugada vemos uma pessoa normal. se não vemos umas gorduritas aqui e ali e não há grandes ossos à vista também vemos apenas uma pessoa normal. apenas uma pessoa normal. só normal. "sou normal.", dizemos muitas vezes em tom depreciativo. só, apenas, simplesmente normal.
tratamos a normalidade como uma característica inócua, que nos arrefece ligeiramente mais do que nos aquece. a nossa incessante busca por mais e melhor é uma gigantesca lente que filtra as coisas fantásticas que a normalidade nos proporciona e as transforma em coisas banais e sem interesse.
conseguimos ver a riqueza nos ricos e a pobreza nos pobres mas somos cegos perante a nossa condição. a condição que nos permite fazer todas a refeições de forma equilibrada, viver numa casa com boas condições, ter um carro minimamente confortável e seguro que nos leva onde queremos ir (notem que escolhi o verbo querer e não o verbo precisar) e nos permite, até, tirar férias e descobrir o mundo. não, somos apenas normais.
colocamos a normalidade na base das nossas ambições e negligenciamos tudo o que possa ser menos bom do que normal. temos, no entanto, olho clínico sobre tudo o que nos possa parecer um passo acima de normal.
somos cegos. o privilégio é invisível àquele que o tem.
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