segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

0.1# (um pequeno à parte) negociação - o meu pior pesadelo

eu sabia que o dia haveria de chegar. o dia em que um professor olharia para mim e diria "numbi, reconheço-lhe uma capacidade incrível, tem tudo o que é preciso para ser uma pessoa bem sucedida, tanto a nível pessoal como profissional!". 



ah, não, esperem, enganei-me, não era desse dia que queria falar-vos.

o dia de que eu queria falar-vos era o dia em que um professor me ia obrigar a dizer mais do que "o meu nome é numbi, sou licenciada em engenharia e trabalho numa empresa de construção." em frente aos meus colegas de turma. felizmente, esse dia chegou no segundo trimestre, quando eu já tinha percebido que nenhum dos meus colegas de turma me julgaria por corar, gaguejar ou simplesmente por não falar, de todo, tal o estado nervoso em que fico quando um professor olha para mim com segunda intenção, sendo a primeira "olhei para si por acaso, porque me disseram que devo olhar as pessoas nos olhos quando falo com elas." à qual reajo sempre com firmes acenos de cabeça, que pretendem significar "reparei que olhou para mim e gostava muito que pensasse que estive sempre atenta e que compreendi tudo o que me disse.". creio tratar-se de uma forma subtil de o professor dizer "veja se presta atenção à aula, menina!" "sir, yes sir!", é o que realmente representa o aceno de cabeça.
a segunda intenção diz sempre coisas mais perturbadoras, como "não olhei para si por acaso,  menina, olhei para si porque pretendo falar-lhe!" ou "sabe a resposta a esta? ah?" ou, até mesmo, "fale-me um pouco sobre si!".

pronto, era aqui que queria chegar. chegou o dia em que um professor não só me fez falar em frente à turma inteira como tentou fazer-me falar sobre mim. uma combinação tão potente que me acelerou o coração e por pouco não me matava. a exagerar, eu?!? talvez, um bocadinho. pequenino. sem contar com as fantásticas recriações de filmes de terror operadas pela minha mente durante o sono, este era o pior dos meus pesadelos - falar em público sobre mim.

- diga-nos quem é a numbi.

simulei levantar-me, o professor percebeu:

- se não quiser não precisa de se levantar.
- não, professor, não há problema. - não, de facto o meu problema não era levantar-me. até estava bem vestida nesse dia. poderia ter sido um episódio ainda mais dramático se me tivesse apanhado num bad hair day.

- pode falar-nos um bocadinho sobre si?
- não gosto muito de falar em público.

não sei muito bem o que aconteceu nos segundos que se seguiram, mas o facto é que quando dei conta estava ao lado do professor a olhar os meus colegas de frente. drama, drama, drama.


- não precisa de estar nervosa, olhe como os seu colegas sorriem para si. conte alguma coisa sobre si aos seus colegas.
- preferia que fossem eles a perguntar. - arrisquei tudo.

o professor seleccionou um colega que me fez a melhor pergunta que me poderiam ter feito:

- o que significa, para ti, a tua família?

a pergunta fez-me relaxar. é um tema em que me sinto segura, não tenho assuntos por resolver, não tenho dúvidas: a minha família é o meu porto seguro. (obrigada pela pergunta.)

a verdade é que, quando voltei para o meu lugar, já estava num estado tal de descontração que disse ao professor:

- professor, qualquer coisa estou ali em cima!

claro que me arrependi de o ter dito um milésimo de segundo depois de começar a frase, mas já não havia nada a fazer, às vezes a minha boca é mais rápida do que o meu cérebro.

a destacar: depois deste episódio já participei duas vezes nas aulas, de livre e espontânea vontade. pela primeira vez em 18 anos de vida académica. não custa tanto como eu pensava. espero não vir a tornar-me a chata da turma que quer comentar tudo e está sempre cheia de dúvidas.

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