não vivas, continua apenas a existir no limbo que um dia te levará à felicidade, de momento é o que se impõe.
não tenhas pressa de te sentires vivo, tens muito tempo para te dares a esse tipo de luxo quando acabares de fazer essas coisas importantes que estás a fazer agora.
não dês importância hoje às coisas a que podes dar importância amanhã, agora tens coisas mais importantes em que pensar.
não faças o que te apetece fazer, isso fica para depois de fazeres o que tem de ser feito.
não sintas, isso vai desconcentrar-te e impedir que executes as tuas funções da forma metódica e eficiente a que já os habituaste. temos de justificar que as máquinas não são substitutos à altura, certo?
não te dês, porque quem te quer não quer apenas aquilo que tu queres dar agora. já sabes como é: são como abutres as pessoas que gostam de nós, querem sempre mais e mais e mais e parece que nunca estão satisfeitos, os vampiros que anseiam pelo nosso sangue.
não sonhes que isso é perder tempo, o tempo é precioso e não há tempo a perder. há coisas importantes a fazer agora, no presente, coisas urgentes, depois logo se vê.
não respires ar puro, não te banhes no mar, não rias à gargalhada, não sintas o cheiro do bebé, não beijes, não apanhes sol, não andes à chuva nem deslizes na neve. não cantes alto, não dances, não comas chocolate, não bebas, não faças amor, não compres aquela inutilidade que tanto queres, não passes a mão pelo cabelo de ninguém, não olhes nos olhos, não leias, não passeies no parque, não dês a mão, não jogues futebol com os amigos, aliás: não tenhas amigos. não relaxes a ver filmes nem te exaltes a ver futebol. nada de jogos de vídeo e muito menos de tabuleiro. não ouças música. não ames, não brinques com as crianças nem aproveites o tempo com os mais experientes. não abraces. ignora a existência de animais de estimação, de churrascos no jardim, de lareiras acesas e de brisas marinhas. esquece as esplanadas, as multidões nocturnas e as plateias nos concertos.
é tempo de dizer "não!" a essas pequenas coisas porque depois, depois de acabarmos essas coisas importantes que temos mesmo de fazer agora, com certeza haverá grandes coisas à nossa espera. com certeza que sim.
agora não podemos, depois vê-se...
1 comentário:
E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará...
(Cecília Meireles)
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