Neste post vou conta-vos a bela história do chefe que me disse que o meu filho, de 18 meses, não era desculpa para eu ter baixado a minha produtividade enquanto estava em teletrabalho, durante a quarentena.
O mesmo chefe que me permitiu que fosse para casa, quando lho solicitei, porque ele era completamente contra as pessoas irem p'ra casa, uma vez que "isto foi um alarmismo infundado e eu estive sempre a trabalhar no escritório e até fui a reuniões fora e nunca me aconteceu nada" "e corri riscos por todas as pessoas - esses oportunistas - que foram trabalhar para casa".
A empresa não permitia que levássemos os computadores portáteis para trabalharmos em casa porque tinham de ficar na empresa ligados à rede (é um conceito diferente de "portátil", eu sei), pelo que fui para casa trabalhar no meu pequeno - literalmente - portátil e sem um único equipamento da empresa. Durante toda a quarentena usei o meu computador e telemóvel pessoais para trabalhar.
Como, na altura, estava com dois concursos públicos em mãos preparei-me para conseguir trabalhar - comprei um amplificador de sinal e isolei-me num quarto para não ter o meu filho sempre ao meu lado a suplicar por atenção. Mas, ainda assim, tive imensas dificuldades com a ligação à distância à rede da empresa. Era desesperante a lentidão da ligação. Quando lhe falei sobre isto ele simplesmente respondeu "mais ninguém tem esses problemas por isso deve ser aí da sua rede...". Útil e produtivo, portanto. Eventualmente, percebi que havia alturas do dia em que a ligação ficava super lenta, por haver demasiadas ligações, e que efetivamente era mais rápido trabalhar na sala, onde o meu filho passava o dia.
Percebemos que não íamos conseguir apresentar preços competitivos para os concursos, pelo que ele me disse "despeje aí uns preços, só para respondermos.". Mas os concursos públicos são mais do que preços, e não estávamos a falar de empreitadas simples - era um estádio e infra-estruturas em 2 ruas super movimentadas numa cidade. Esforcei-me por colocar preços mais ou menos adequados na lista de quantidades e por produzir toda a documentação necessária para o concurso. Demorei imenso tempo, confesso, mas as coisas foram mais ou menos bem feitas. Dadas as condições de trabalho, a coisa até correu bem. Foram os meus primeiros concursos públicos naquela empresa e quem conhece os processos dos concursos públicos sabe que podem ser bem complexos e extensos.
Depois de algumas chamadas de vídeo menos agradáveis, um dia ligou e disse que precisava de falar comigo "quando pode passar cá?" - tive a certeza de que ia ser despedida - fui à empresa nesse mesmo dia, ainda em plena pandemia, para ter uma conversa surreal, à qual nem soube reagir. Vou resumir em alguns tópicos 1 hora de monólogo do meu chefe:
- O seu filho não é desculpa para você baixar a sua produtividade. Ele tem de saber quando os pais estão a trabalhar. Devia era estar na creche porque só lhes faz bem. Têm de ouvir nãos, faz parte e um dia ainda vão agradecer. Eu sei muito sobre este assunto porque a minha esposa é educadora de infância. (Mais tarde, sem se lembrar que me tinha dito isto, confidenciou-me que a esposa lhe tinha dito que se tivesse filhos pequenos não os mandava para a creche...)
- Você provavelmente casou há pouco tempo e está em casa em clima de lua de mel.
- Eu não ando a controlar os horários e para mim é indiferente se você trabalhar de dia ou de noite, mas que a verdade é que passo na sala de orçamentação às 9 da manhã e o seu computador é o único que não está ligado em rede.
- Você não fez nada durante a quarentena e se as coisas se mantiverem assim tenho de ponderar manda-la embora.
Por muita experiência "chefes intragáveis" que uma pessoa tenha - e eu até sou uma pessoa bastante batida nesta matéria - acaba sempre por ficar surpreendia e por sentir que é uma nódoa.
Saí de lá e vim chorar para casa. Não me bastava passar o dia a ignorar o meu filho de 18 meses que estava constantemente a pedir atenção e estar a trabalhar em condições péssimas, ainda tinha de levar com aquilo. Decidi sair da empresa. Assim, mesmo a meio de uma pandemia e sem perspetivas em vista. Já tenho experiência suficiente para saber que, a partir dali, o caminho é sempre a descer e o destino é, no mínimo, uma crise de ansiedade.
Quando fui informa-lo de que ia sair da empresa, depois de ter surgido uma oportunidade de trabalho, ele disse-me que não era aquilo que queria para mim, que achava que eu tinha imenso potencial para vir a ser uma ótima orçamentista e que tinha muita pena que eu fosse embora. Subtilmente, fui-lhe dizendo que ele me tinha dito coisas que não se dizem e que tinha, até, ameaçado mandar-me embora, pelo que fui pondo pés a caminho - "ah, mas isso é uma forma de expressão..." - sim, isto também é .|.
A minha parte preferida da conversa:
- Vai para uma empresa maior?
- Não. (Vou para qualquer outra empresa onde você não esteja...)
- Mas vai ganhar mais?
- Não. (Vou ganhar menos e estou mesmo feliz na mesma. Agora pensa...)