quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Não preciso de comprar a revista Happy porque...

O meu cabeleireiro deve estar identificado no tripadvisor como "gay friendly", "trans friendly", brasileiro friendly" e "tripeiró friendly".

Nota 1: absolutamente nada contra!
Nota 2: é mentira, o meu cabeleireiro não está listado no tripadvisor. E, agora que penso nisso, o tripadvisor lista salões de cabeleireiro? Hmmmm... Whatever!

Na realidade, depois da admiração inicial, até comecei a achar alguma piada às visitas que fazia ao cabeleireiro - é que havia sempre uma ou duas mulheres com a cara assim p'ro abotoxoada (sim, acabei de inventar esta palavra) e voz de bagaço.

"Esta senhora devia mesmo deixar de fumar, beber e colocar botox nos lábios!!", pensava eu, na inocência atroz que me caracteriza, "É que não está a funcionar!! At all...", reviranço de olhos e gargalhada mentais, porque tenho a mania e me acho imensa piada.

Havia sempre gente de um universo paralelo a pairar por lá. Ele era unhas, ele era sobrancelhas, ele era cabelo, mãos, pés, rosto, you name it, they did it. Era gente podre de chique, estão a ver, minhas kridas?? Normalmente, eu entrava e sentava-me, impávida e serena, como se tudo aquilo fosse o pão nosso de cada um dos meus dias, e ia tecendo os meus comentários de mim para mim, sempre em versão mental, modo silencioso. Era tudo demasiado estranho.

No primeiro dia fiquei ali como o tolo no meio da ponte, sem perceber se eram mulheres mega femininas mas com feições masculinas ou se eram simplesmente homens mega femininos. Estive em luta comigo durante umas horas mas decidi que eram homens. Pronto, decidi. Mais tarde confirmei com uma amiga, que também é cliente por lá: eram homens que agora são mulheres super femininas e com feições masculinas. Basicamente, não havia forma de falhar esta.

Houve uma vez, porém, em que fui alvo de uma experiência completamente nova.

Quando cheguei estava lá uma das tais senhoras extremamente femininas e com voz de bagaço, a tratar de tudo: cabelo, mãos, pés. "Normal...", pensei. Fui ao piso superior fazer a depilação e quando desci as escadas, acompanhada pela cabeleireira, esperava-nos uma pessoa bastante extrovertida (que é uma forma simpática de dizer espalhafatosa), cara e corpo de mulher, que disse "Olá minha paixão!!, com um tom de voz grave, mas não demasiado, seguindo-se um cumprimento, em forma de dois beijinhos atirados para o ar, entre a cabeleireira e a Márcia (era este o nome dela: Márcia).

Nota 3: a Carla, minha cabeleireira, não é mulher de atirar beijinhos para o ar. Ela é uma jóia de moça, mas quando abre a boca corre sérios riscos de ser confundida com uma vendedora de peixe do Bolhão com tendências homicidas, tal é o volume, o sotaque e a agressividade com que fala. Nop, a Carla não é mulher de atirar beijinhos para o ar... 
Nota 4: absolutamente nada contra as vendedoras de peixe do Bolhão!!
Nota 5: absolutamente tudo contra as vendedoras de peixe do Bolhão com tendências homicidas!!
Nota 6: nunca hei-de chamar Márcia a uma filha.
Nota 7: absolutamente quase nada contra o nome Márcia!!

"Minha paixão?? WTF?!?" - comentários mentais novamente em acção - "Damn, o mundo está mesmo para acabar!!". É que, não bastando o cumprimento mega "espero que toda a gente tenha percebido que eu estou aqui", havia todo um visual ultra "I'm sexy and I know it", mas em versão anos 90, quando a música ainda nem sequer existia. Há coisas que simplesmente não batem certo, pronto.

Fui fazer as unhas com a Carla.

- Carla, quero que ponhas o meu cabelo assim! - dizia a Márcia enquanto mostrava uma fotografia no ecrã do telemóvel.
- Já te disse que não dá para fazer assim! Não te vou dizer que vou fazer assim para depois ficar diferente.
- Mas eu quero assim… - carinha de cachorrinha abandonada.
- Posso fazer parecido, mas nunca vai ficar assim.
- Mas eu quero… - “Fuck, será surda??”, “Márcia, querida, não vai dar, ok? Menos, muito menos!!!”.
- Olha, pões um bocadinho de espuma no teu e ele fica parecido. - diz a Carla enquanto revira os olhos, na minha direcção, em jeito de “As merdas que uma pessoa tem de aturar.”, em resposta, sorri-lhe este sorriso: “Compreendo e lamento… Muito!! Mesmo muito!! Achas que não dava para resolver isto com dois pares de estalos? Eu posso ajudar, se quiseres, desde que não me estrague as unhas… O meu pai costuma dizer que dois pares de estalos resolvem quase tudo!! Não? Ok, foi só uma ideia...” (Sim, foi um sorriso longo…).

Terminado o episódio “eu quero ficar parecida com a Kate Beckinsale” começou um episódio ainda melhor, o “quem ainda não percebeu que eu estou aqui, vai perceber agora!!”.

- Sabes, Carla, comprei um brinquedo! - risinhos marotos…

Foi mais ou menos por esta altura que o senhor que estava sentado no sofá, à espera da vez dele, começou a reagir. Não, ele não se levantou para agredir alguém, não riu, não fez absolutamente nada excepto ficar extremamente desconfortável e não conseguir disfarça-lo. Sim, eu estava atenta. E ele também ficou.

- Um brinquedo?
- Sim, um brinquedo… - mais risinhos.
- Um carro?…
- Sim, um carro… - e mais risinhos. “Ninguém aguenta...”.

A Márcia levantou-se e veio mostrar o brinquedo, que estava dentro de um saco de papel à paisana, sem qualquer tipo de publicidade. Não era um carro.

- Oh, mulher, eu com uma coisa dessas ficava um mês sem andar!

Não era um carro. A Márcia andava a passear uma pila, com potencial para ganhar algumas competições de balneário. Em sua defesa – a pila ainda estava embalada. (Não sei, fiquei desconcentrada e não faço a menor ideia de qual terá sido a reacção do senhor, mas a verdade é que se manteve sossegadinho no sofá, como se nada tivesse acontecido).

O filme não ficaria completo sem o episódio “quero muito comer o namorado da designer de sobrancelhas. (Sim, há uma designer de sobrancelhas lá no salão“Porquê lá, no Brasiu, a geintxi teim umá minina párá cádá coisa, sabi? A meixma minina naum faix sôbrancêlha e unha, pêrcêbêu?” Ahhhhmmmmm… Sim, acho que percebi…) Só comer, porque não tenho paciência para aturar o dia inteiro.”. 

Entretanto, a Márcia dispersou e foi conversar com a outra senhora, extremamente feminina e com voz de bagaço, que estava no salão quando lá cheguei (o post é longo, mas escrevi lá em cima, podem verificar), sobre o maravilhoso tema “operações de mudança de sexo”.

Terminei as unhas e abandonei o barco.


The end.

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